O fim dos tempos áureos.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Na infância, já sofria.
Parecia um prelúdio dos anos futuros.
E era mesmo.
Mas a garotinha não tinha como prever isto.
Só certificou-se com o passar do tempo.

Quase tudo na vida levava-a ao choro.
Então...chorou...
Chorou...
Mas calada.
Não reclamava de uma vírgula que o tal de destino punha na sua redação.
Nunca reclamava.
E, ainda assim, no intervalo de uma lágrima e outra, arranjava disposição para sorrir.

Só nos últimos dias teve coragem de confrontar Deus.
Prostrada na cama, disse: "chega! Já sofri demais".
Foi o primeiro e único reclame em mais de oito décadas.

Ontem, descansou.
E deu mais uma lição ao, antes de fechar os olhos, pedir para voltar à serra de onde veio.
Até na despedida, foi Áurea.
Fez jus ao nome.
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Bruno de Castro.

ps: vá em paz, minha tia. A gente fica na saudade. A senhora já faz falta.

Crescimento.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Na certidão de nascimento, Iarley leva o nome de jogador famoso.
Mas, na verdade, é um anônimo.
E um pequeno desconhecido que, sequer, teve um lugar decente para nascer.
Veio ao mundo no banheiro de casa mesmo.

Passou a noite dando trabalho à mãe.
Chutava...chutava...esperneava para sair da barriga.
Quando conseguiu, encontrou uma casa sem eira nem beira.
Nem uma bacia para tomar banho existia.
Que dirá fraldas e roupinhas.

Na mulher deitada na maca de um dos leitos da maternidade, ele só podia fazer duas coisas: sugar leite e usurpar o calor do corpo.
De resto, nada mais.
E eu, narrador de histórias alheias, vi a cena de perto.
Reparei bem no olhinho ainda sujo de sangue e nos dedinhos mal formados que, posteriormente, terão de ser sajados.

Mas não pude fazer nada por ele.
Não naquele momento.
A não ser jogar o drama no mundo.
E foi o que fiz.

Mas Mônica não reclamou.
Em nenhum momento.
Pelo contrário.
Mesmo exausta do parto doloroso, estava feliz por ter colocado o sexto filho no mundo.
Tinha certeza de que o futuro do garoto seria promissor.

Não digo que estou certo disto.
Mas torço muito para que ela seja uma vidente e tanto.
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Bruno de Castro.

ps: Nesta semana, cresci mais do que nos meus quase 24 anos inteiros.
E, sinceramente, espero que as próximas semanas sigam no mesmo ritmo.

Do latim...

terça-feira, 19 de outubro de 2010


Não à toa se chama Kaio.
O jeito de encarar a vida faz jus ao nome.
Mesmo na adversidade, o sorriso não sai do rosto.
Nem a miudez do tamanho o tira a vontade de se curar.
E é neste ritmo que este maranhense de três anos dá um banho de felicidade em qualquer um.

É uma espécie de fortaleza para a família, naturalmente fragilizada.
A paralisa cerebral é fichinha diante da energia do garoto, assim como a anemia aplástica será um registro de superação daqui a pouco tempo.

Há dois dias, minha vida mudou.
E graças a ele.
Fico na torcida pelo aparecimento de um doador o quanto antes.
E digo que gostaria muito que fosse eu o responsável pela tua cura, menino.
Sentar na mesa de doação foi um momento inesquecível.

Quando você se curar, o latim vai estar mais certo ao indicar Kaio significando "feliz, contente, alegre".
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Bruno de Castro.

ps: é por conta deste tipo de situação que eu tenho orgulho de ser um narrador de histórias. O Jornalismo tem suas vantagens.

Súplica

domingo, 17 de outubro de 2010


Se ter um pedaço do peito faltando é algo complicado de se administrar, imagine ter o coração aberto em vários pontos. Pois esta é a rotina de Medina. Viver na obscuridade de sentimentos e refém de um músculo involuntário o deixava inquieto. E ele queria mudar a qualquer custo. Mas não conseguia.

A angústia toma de conta só de lembrar das inúmeras despedidas. Ver subidas e descidas de aviões virou rotina. E uma rotina má. Porque o coração sempre saía mais despedaçado. Era inevitável. E olhe que o rapaz de pele negra e olheiras profundas tentava amenizar.

Por ele, todos os pedaços seriam colados imediatamente. Mas esta é uma coisa que está além do alcance. Milhares de quilômetros além. Uma pena; uma dor enorme. Daí...o jeito é contentar-se com os encontros efusivos.

Há um ano e três meses, Medina segue uma vida incompleta. Não sabe como consegue. Apenas tem a certeza de que, um dia, vai conseguir reunir todos os cacos. Dele e dos que quer por perto. Também espera que seja tudo muito rápido. Do contrário, pode não suportar a dor de outras partidas.

Aos que vieram e foram à ilha, ele pede: voltem logo. De preferência, em definitivo. Ou, então, jamais serei feliz por completo. Sempre ficará faltando um pedaço.
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Bruno de Castro.

A moradora da Lua

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Renata sorri o tempo inteiro. Não importa a circunstância. E, quase sempre, de si mesma. Das presepadas que apronta e dos pinotes que dá por aí. Seja a gosto ou contragosto da vida. Sim, ela consegue driblar o que chamam de pré-determinado.

Para a menina branquela de cabelos pretos que mais parecem tinta derramada no vento, não existe essa de pão é pão; queijo é queijo. Pão e queijo podem se misturar. De preferência, com uma boa lasca de goiabada. Eis a graça de tudo.

E não adianta tentar estragar o lanche. Renata vai dar um jeito de se edificar. Ela cresce, independente da situação. E, claro, sorri. Às vezes, um sorriso amarelado, é bem verdade. Mas sorri. Já virou força do hábito.

Há quem a chame de moradora do mundo da Lua. A branquela ouviu muito isso quando era meninota. Inclusive dos pais. Mas Renata não dá a menor para esse tipo de insulto. Gargalha deles. De todos.

E por um simples motivo: até hoje, não permitiu que ninguém violasse a entrada de um quarto escuro seu. Só seu, cuja chave ela esconde sob sigilo de morte. Tem dias em que esquece onde a guardou. Mas, rapidamente, a encontra.

Na alma da garota de cabelos que mais parecem tinta derramada no vento, reina a felicidade.
E não há episódio no mundo que a faça tirar o sorriso do rosto.
Amarelo ou não.
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Bruno de Castro.

mEU pequeno Lucas

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Apenas aos 23, quase 24, Lucas descobriu que teria ninguém para salvá-lo depois que ele salvasse o mundo de todos ao seu redor. Algo triste para um menino cheio de sonhos. Impactante, na verdade. Mas não por acaso. O encontro tardio com o cru colaborou para isto.

E tudo por conta de desleixo. Alheio, diga-se de passagem. Não ter olhares correspondidos é algo que mata. Aos poucos, mas mata. E da pior forma possível. Com Lucas, foi assim. Quando deu por si, já era um homem amargo; ressentido; doído.

Culpa também das horas roubadas. Tanto empenho para nada de reciprocidade. Notar a unilateralidade corroeu. De vera. E, num primeiro momento, pareceu algo letal. O pequeno Lucas não esperava por algo assim.

Mas aconteceu. Assim como foram recorrentes os monólogos. As palavras eram jogadas ao vento. A ninguém...apesar de ter sempre um à frente ou ao lado. Era como um grito mudo. Ou coisa que o valha.

Em casa, o que era para ser um refúgio, tornara-se quase um quarto branco. Tudo era oco. Sem sentido. Sem referência. Sem apego. Sem sentimento. Nada. Somente um dormitório. Um tormento.

No fim, restou abrir mão de tudo.
O silêncio do sono e a segurança da escuridão valiam mais a pena.
Lucas foi-se.
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Bruno de Castro.